Monday, April 23, 2007

para um amor no recife


não vai ser fácil escrever estas palavras. tratam-se de impressões que há muito me ocorrem e que me aparecem com bastante força, suficiente pra me fazer escrever isto pra ti. escrevo por acreditar que também escrevemos o futuro, escrevo por necessidade.

desde que decidi sair do brasil (numa viagem íntima de emancipação e em busca de ampliar a minha leitura do mundo), venho inevitavelmente vivendo memórias e impressões do recife de maneira atávica, quase que avassaladora. de tal modo que, nestes dias de distância, sempre procurei manter-me informado e atento à história atual desta cidade, que também é a minha história.

assim, observo o intenso sufocamento e a assustadora violência a que o recife vem vivendo, em crescimento até agora incontrolável. percebo esta situação, mesmo que a partir de uma posição bastante privilegiada, comparando-se à maior parte da população. vejo a miséria tomar as mais diversas formas, atingindo a tudo e a todos com golpes de terror. a expressão “qualidade de vida”, em recife, possui um sentido próprio, mórbido e doentio. toda esta violência, este trânsito, a corrupção e a inconsequente construção vertical parecem sem limites. a desigualdade social é o coração desta febre e cresce a todo vapor, sendo causa e consequência deste agora tão escuro.

assisto ao êxodo acelerado da minha geração com um misto de perplexidade e compreensão (entendo-o bem pois também faço parte deste movimento). assusto me ainda mais com o sentimento de aceitação e normalidade quase que generalizado, por parte da sociedade recifense diante do caos que toma conta da cidade. o que percebo é cansaço, cinismo e medo, muito medo de encarar esta realidade com frontalidade e o desejo de transformação necessários.

da onde vem este sentimento derrotista? a quem interessa este silêncio?

fico pensando que a minha geração envelheceu rápido demais, ou talvez “aprendeu” a emudecer, “porque assim é mais seguro”… ou, quem sabe até, estejamos todos atordoados, sem saber como e por onde agir. entretanto, pelo que vejo, nunca desapareceu a capacidade incansável para organizar festas e eventos sociais - rituais onde a qualquer custo o objetivo é se embriagar e dar uma foda mais ou menos rápida, lugares onde se celebra o que ainda nos resta de vida, espaços utópicos onde ainda se pode dançar e beijar “sem medo”, mesmo que seja assim, de forma fugaz - vejo que ainda resta algum potencial de mobilização. sei que é importante brincar e conheço intimamente esta busca pelo outro e por afeto, não há nada de errado em festejar, afinal: a dimensão da alegria habita na dimensão da curiosidade, e a dimensão da curiosidade é própria da transformação…

portanto sei, e sabemos todos, que não precisamos de heróis e que nossos inimigos, somos nós mesmos. e se, mais do que nunca, a defesa dos ideais, e qualquer engajamento político, soa antiquado ou desacreditado, como podemos reinventar caminhos por um mundo mais justo, mais condizente com os nossos desejos? para começar, parece-me evidente que, a cada instante, devemos fazer escolhas em direção à ética, reconstruindo assim os sentidos desta palavra e o terreno para uma vida mais fraterna, o que a todos interessa, não?

sem rebeldia, tudo permanence como sempre foi, e se nosso momento na história é diferente de qualquer outro, devemos buscar nossas próprias formas de criá-la, como nós a desejamos. lembro-me dos ensinamentos do Paulo Freire, ao dizer que “interessa o saber da história como possibilidade e não como determinação, pois não sou apenas objeto da história mas seu sujeito igualmente” ou ainda “ o mundo não é o mundo, está sendo”. A história é agora.

e sabendo que não é possível fazer história sem os pés bem assentados na consciência crítica, é também evidente que não posso perpetuar toda a devastação à minha volta. minhas ações são decisivas, sejam elas mais ou menos simples. com humildade e alegria, percebo que eu sou o meu projeto de mundo.

aonde quer que estejamos, em qualquer situação, podemos fazer a diferença abrindo espaços de invenção permanente. sempre penso em levar pra recife um pouco do que venho aprendendo, e como sei que cada um de nós têm desenvolvido formas diferentes de intervir no mundo, acho que é hora de juntarmos nossos esforços e nossas visões em um encontro por celebração e transformação. como criar nossos meios de comunicação? como intervir no seio da sociedade recifense em busca de debate? como apresentar outras alternativas de vida? como fazer tudo por um pouco mais de ternura ?

estas palavras são minhas, gostaria de saber quais são as tuas. no fundo somos mais livres do que imaginamos. estou longe, sinto saudades e desejo agir. é pouco, eu sei, ainda há muito pra se fazer, isto não é nada mal, terrível seria se não tivessemos mais nada a criar.

com afeto

Tuesday, April 10, 2007

o medo de existir


na semana passada, em um concurso da RTP (canal de televisao pùblico), o ex ditador português antonio salazar foi eleito com o voto de mais de 150 000 telespectadores como "o melhor português de sempre".

salazar foi o fundador de um regime autoritário de direita (puro pleonasmo...) que controlou a vida econômica, social e cultural de Portugal entre 1933 e 1974, quando um golpe militar quase sem derramamento de sangue converteu Portugal numa democracia.

hoje, 33 anos depois, com portugal ainda em dificuldades de se levantar deste passado escuro, o que isto significa? um anti 25 de abril? uma perda de memòria? uma verdadeira vocaçao reacionària portuguesa?

e eu que achava que o melhor português de sempre era o Scolari...



*imagem gentilmente roubada do www.fotolog.com/marcelotarta

Monday, April 09, 2007

bloody mess

this is the last thing you see.
you see me sat in the light, in the last of the night.
i´m sitting on a table.
you see my face. you see my lips. you see my eyes.
and you can see that i´m thinking.
it´s the last thing you see.
you see my face. you see my eyes and you can´t tell what i´m thinking.
my face is completely blank.
the eyes don´t really give anything away.
the expression is somewhere between nothing and everything.
you don´t know me. you think you know me. it´s not important.
what´s important is that you see me breathing. you see the rise and fall
of my breathing.
you hear the traffic outside, or drunks in the street, or the sound of rain on the roof of the theatre, or the sounds of the others sat around you in the auditorium. or you hear none of these things. it´s not important.
what´s important is that you see me. you see me sat alone on a table in
the last of the light and then, suddenly, perhaps much more suddenly
than you had expected, it´s over and i´m gone, and this time, i´m gone
forever and i never come back.

forced entertainment

Thursday, April 05, 2007

colocando em perigo

Todas as culturas sao escravas do idealismo - elas se definem por sua servidao face ao ideal. Apenas a tragédia poe o ideal perto da morte, mas como a morte é o inimigo nùmero um dos sistemas polìticos, a tragédia é caricaturizada como pura negatividade. A bravura da tragédia – ou mesmo o amor fìsico nao sao suficientes para abolir a fascinaçao pela morte – e é assim que ela nega o prazer como prìncipio de organizaçao da existência. E quem negarà que este desprezo em relaçao ao prazer também advém do êxtase ?

Constantemente opoe-se o teatro à rua, como se o teatro fosse falso e a rua real. A arte do teatro afirma sua independência absoluta em relaçao à rua. Ela se dedica à porta. Ela se dedica à parede. Ela deixa a rua à rua. De qualquer forma, quem pretende que a vida seja real ? Ela é feita como se fosse real. O fato é que aqueles que persistem em crer na ficçao desta realidade nao fazem parte das nossas preocupaçoes.

Estranho é todo o teatro onde o artista nao é ignorante. Pobre é qualquer texto em que o dramaturgo nao é ignorante. Como falar da ignorância como sendo uma virtude ? porque aqueles que sabem nos dao vontade de vomitar. Porque nòs desejamos partilhar o experimento daqueles que nao sabem, que sao animados apenas por uma intençao bela.

A arte do teatro aspira a nudez moral. Sendo assim a antìtese da educaçao, que é o vestimento, promessa de sufocamento em baixo de roupas éticas.

Falamos muito de ilegalidade, como se pensassemos que o crime fosse um sinal de distinçao, entretanto trata-se de um sinal de pobreza, um gesto de impotência. De outro modo, na arte do teatro, nòs nos apresentamos diante do pùblico nao como criminosos mas como sacerdotes de uma arte sagrada. Mas é complicado. Nesta decadência a democracia acusa o sagrado de ser criminoso.

O problema nao é oferecer ao pùblico um espìrito critico ( suspiro coletivo de confusao orquestrada) mas de colocà-lo em perigo…



Howard Barker
Nascido em 1946 na inglaterra, é diretor e autor de mais de cinquenta peças de teatro, além de pintor, poeta e teòrico em drama.

Sunday, April 01, 2007






oswaldo goeldi