comentário sobre a seguinte observação surgida em um grupo de email de alunos de Design da UFPE:
"a tamarineira vive em completo abandono, tornando-se desde muito tempo um depósito humano decrépito e imundo. A mudança irá revitalizar o local, valorizar o bairro, gerar emprego, impostos e renda, sem falar que existe um acordo de 50 anos onde a igreja que é dona da propriedade receberá um excelente aluguel que ajudará enormemente a manter as suas outras obras de caridade. Acredito que os doidinhos que lá vivem não serão jogados na rua, serão transferidos para outras unidades ou irão para outras entidades cuidadas pelos padres."
Deixa eu pensar, quem quiser pensa comigo, please.
Designers e não Designers,
O terreno, o financiamento ou a administração do Hospital não são privados já há longos 85 anos.
A Santa Casa já não possui poderes sobre a Tamarineira há longos 85 anos, há longos 85 anos ela é subsidiada pelo Estado, para o Estado, por nós, para nós.
Sintam-se enrolados, a divulgação da idéia de que a Tamarineira está entregue às moscas faz parte do projeto maior do interesse privado ditado de acordo com as vontades do mercado. Noções distorcidas de desenvolvimento são as primeiras a desconsiderar completamente as necessidades da comunidade. Falam de moscas quem não sabe que a Tamarineira além dos 160 leitos para pacientes internos , conta em suas três unidades de tratamento (CPTRAC – Centro de Prevenção e Tratamento de Alcoolismo; Helena Moura e Ulysses Pernambucano) com 1800 atendimentos mensais na emergência psiquiátrica.
Afora isso, quanto às questões ambientais envolvidas ou ameaçadas diante desse projeto ícone de modernidade: De que adianta falar em design sustentável se as questões ecológicas mais primárias são as primeiras a serem atiradas pela janela? Vamos falar em bom design e boa arquitetura. Vamos falar do Parque Dona Lindú. Projetado pelo grandioso Niemeyer o parque não consegue e muito me espanta que vá conseguir ainda passar de uma pocilga de concreto armado em plena costa litorânea.
Sendo pieguinhas, alguém aí tá sentindo calor? São noções vendidas e pré-concebidas de desenvolvimento, que estão sendo tão bem aceitas e importadas dos modelos econômicos nortistas há séculos, que vêm nos levando a engolir dentro e fora da nossa cidade qualquer possibilidade de verde. No momento, de que me adianta pensar em falar de soluções em design sustentável quando o shopping já estiver construído? Duas folhas de papel reciclado para enxugar as mãos nos banheiros? Privada e torneira automáticas para evitar o gasto de energia e água? Madeira sustentável nos sofás dos vãos do novo Shopping? Decoração Natalina com garrafas PET’s?
Não desmereço qualquer iniciativa em sustentabilidade, mas 6 hectares de mata preservada e reserva ambiental gritam por atenção embora dessa forma eu perca as chances de lucrar um bom dinheiro bolando algum projeto/produto sustentável pra pôr à venda na lojinha alternativa do Shopping Tamarineira (?!) (silêncio).
Vai uma água de côco? Assustador perceber que uma cidade do porte de Recife tem em sua geografia tão poucos parques de área verde e de socialização como o Sítio da Trindade, Jaqueira, Horto Dois Irmãos, 13 de Maio e por último, mas não menos importante Parque Dona Lindú. Falo por mim quando digo que uma raiva tempestiva me acomete toda vez que vejo mais uma mureta de compensados da MD ou GB a cada esquina. Me sinto num tabuleiro de W.A.R sem chances de vitória. Ponto pro concreto, pro asfalto e pra verticalização, afinal tudo isso tem muito a ver com status. Recife vai cada vez mais se encantando ingenuamente com essa perda de identidade cultural e memória arquitetônica.
Não é mesmo encantador viajar por terra ou por cinema para as grandes cidades do norte do mundo e perceber “Como são desenvolvidos!” “Quanto verde, quantos parques” “Que lindo o Central Park, Woody Allen”. Bairros góticos conservados por séculos, centros históricos pra que te quero? Recife, tão ingênua, vai se vendendo por milhares de verdinhas que tão pouco a pouco não dignificam nenhum desses mirabolantes projetos.
As propostas da administração da Tamarineira sempre se direcionaram no sentido de manter todo o espaço de uso público, as 3 unidades de saúde em funcionamento e abrir o parque da matinha ao público.
Se por hora nós até que engolimos a idéia de que junto a um shopping (embora pra mim Recife já esteja farta desses) a cidade irá ganhar DOIS MUSEUS sustentados pelo lucro do shopping (...) bom, minha desconfiança já começa daí. Quando na história desse nosso modelo econômico feroz algum empresário que se preze nega lucro de vendas pra poder financiar museu? Sinto-me subestimada quando tentam me jogar esse tipo de ladainha. Inclusive, vá lá que o terreno da Tamarineira é de fato grande (9,4 ha), mas com a boa safra de arquitetos que estão consumindo nossa cidade com grandes e bem intencionados projetos de desenvolvimento, acho difícil visualizar um projeto (que por sinal ainda não está nem acordado) que vá conseguir com compromisso:
Manter resquícios de mata, manter intacto o prédio TOMBADO, construir um estacionamento que nos cobre 5,50 por duas horas (sem querer entrar nesses méritos), e dois bons museus.
Deve ser difícil, e exaustivo na verdade, estar sempre pensando em seu umbigo, analisando e contabilizando as necessidades de uma maioria baseando-se somente na sua experiência particular de mundo. No entanto, mais difícil ainda pensar fora da caixa e perceber que além de nossas próprias vivências e necessidades existem outras emergentes e que surgem e nos acometem de prontidão inclusive, quando menos se espera.
E se algum familiar nosso necessitar de assistência médico-psiquiátrica de urgência? E no caso de famílias menos abastadas? Para onde seriam levados? Hospital da Restauração? Ou, quem sabe, pro futuro CARREFOUR da Av. 17 de Agosto pra comprar um paliativo qualquer onde antes funcionou a Casa de Saúde São José. Contabilizem as opções.
O risco fica por cada um? Pensar que isso aqui é uma selva não me conforta muito.
Abraços Tamarineiros,
Clra Simas.
Ps.: No email vai em anexo um arquivo de Word com uma coleta de materiais sobre o histórico e a condição atual da Tamarineira. Fica a dica.
Ps.2: SEM INGENUIDADE, Já não estamos na Idade Média onde a Igreja sempre representou uma entidade boa e caridosa sempre atenta às necessidades da minoria desprovida do básico e, ESPECIALMENTE, sempre cuidando tão bem de seus pacientes psiquiátricos. Salve a ironia. Dia desses vi um rapaz com uma camisa que resume pretty much everything: PEQUENAS IGREJAS, GRANDES NEGÓCIOS.
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1 comment:
Na verdade o dinheiro pago pelo shopping provavelmente vai pra cobrir o rombo com os processos milionários por pedofilia, que a Igreja sofre (sem falar nos acordos extra-judiciais)
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