“Tecnología: es el conjunto de habilidades que permiten construir objetos y máquinas para adaptar el medio y satisfacer nuestras necesidades.”
Nestes últimos dois dias participei na gravação de um anúncio de televisão para uma loja de informática. Foi um trabalho intenso, durante mais de 23 horas ensaiamos, gravamos, esperamos, maquiamos, escutamos instruções, esperamos, esperamos, gravamos, ensaiamos, esperamos, comemos, esperamos e esperamos.
A equipe era composta por (pelo menos) 70 pessoas. Isto mesmo, uma verdadeira superprodução. Através de uma estrutura hierárquica super definida, tudo funcionou a mais milimétrica perfeição. Foi incrível. Éramos 20 atores, 4 técnicos de luz, 5 de som, 3 maquiadores, 3 figurinistas, 12 cenógrafos, fotógrafos, umas 10 pessoas com as câmeras, diretor, assistente de direção, eletricistas, produtores, assistentes de produção, estagiários, a equipe responsável pela comida, 3 bombeiros (?), as pessoas da limpeza, etc e etc, todos dando o seu melhor.
Tamanha quantidade de gente manuseando uma tamanha quantidade de materiais técnicos. A tecnologia utilizada ali era de ponta: câmeras super-ultra-high-tech, gruas enormes, monitores, aparelhos de explosão, luzes, computadores... Tecnologia desenvolvida através da história da humanidade desde a descoberta do fogo passando pela invenção da roda até chegar naquele estúdio ali. E ali estávamos todos buscando dar o melhor, quem sabe até atingir a perfeição. A máxima eficácia.
E tudo isto para que? Para vender produtos de informática. Produtos como este que eu e você estamos usando agora. Tecnologia para desenvolver tecnologia para desenvolver tecnologia, para que?
Para vender.
Mas não me engano, “no soy tonto”, nada contra o comércio, mas ali, metido naquele circo, eu não conseguia evitar pensar, nem por um segundo, que se todo aquele enorme esforço, toda aquela incrível concentração, toda aquela brilhante tecnologia, todo aquele fascinante know-how, toda aquela imensa mão de obra, toda aquela emocionante capacidade de mobilização fossem utilizados para questões minimamente mais urgentes, não sei, talvez questões tão simples quanto resolver à fome, ou buscar a cura para doenças terríveis, ou até tentar solucionar o problema da violência em países de terceiro mundo, quem sabe, se através de um engajamento tão intenso e resoluto conseguiríamos algumas respostas práticas para problemas reais.
Digo “problemas reais” porque é bom saber discernir as coisas. A publicidade, o motor que move este circo, é uma verdadeira máquina de inventar problemas fictícios. Tal como o destes dois dias. Toda esta parafernália que mencionei estava unida para resolver um problema urgente, com um claro objetivo a ser atingido no final. Este problema era um só: o de produzir uma imagem potente, capaz de seduzir o consumidor e convencê-lo de que ele “necessita” aquilo tudo. Convencê-lo de que ele é incapaz de viver sem aquele produto. Convencê-lo de que sua alegria, sua sobrevivência, sua participação no mundo depende daquilo. E não nos enganemos, a publicidade NÃO é o motor que move este circo, a publicidade é uma ferramenta. Uma técnica, tecnologia por tanto. O motor era o dinheiro, dinheiro querendo mais dinheiro para ter mais dinheiro.
E volto aos “problemas reais”, talvez porque gostaria de acreditar que “no soy tonto”. É fato que as grandes invenções humanas, o dito progresso, passa pelo investimento e desenvolvimento de práticas “inúteis”. Caso acreditássemos que o que é inútil fosse de fato desnecessário, nós homens, nunca teríamos chegado a desenvolver o telefone, ou o avião, o microondas, os computadores, passeado na lua, desenvolvido a culinária, e toda a história da arte não teria existido. Seríamos primitivos. Pois é, se fossemos incapazes de investir no supérfluo, não passaríamos de meros autômatos. Como já disse algum poeta ou filósofo (estas duas brilhantes ocupações inúteis): “a melhor forma de transformar o homem em objeto é dar-lhe apenas o que ele necessita”. Bom, pode ser que a citação não esteja exata, mas é o que o filtro da memória me permite recordar. E assim, lembro que neste mundo da eficácia em que vivemos, um grande poder subversivo da Arte (e talvez das ciências) é justamente o de desenvolver tarefas inúteis. Criar pontes invisíveis, suspender o tempo, lembrar ao homem que ele é capaz de sentir dor e alegria. E se tempo é dinheiro, por que não ganhar tempo?
Mas voltando as questões “minimamente mais urgentes”: seria possível um engajamento coletivo tão determinado a resolver estes problemas? Como funcionaria? Quem organizaria este mutirão? Quem financiaria? E para que? A quem interessaria “resolver estes problemas minimamente mais urgentes”?
Estas interrogações apenas me levam a pensar que talvez nos falte tecnologia, know how, eficácia. Ou não, talvez tenhamos as ferramentas, talvez nos falte apenas encontrar a utilidade. Ou não, pode ser que nos falte tempo para podermos ser inúteis eficazes. Ou não, talvez nos falte encontrar a grande tecnologia, o verdadeiro saber, a máxima eficácia: descobrir o centro da questão.
*em tempo, "no soy tonto" é o slogan desta empresa de informática.
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3 comments:
Muito legal o texto João. Estilo solto e descontraído. Mas tratando de questões sérias a partir de uma experiência de trabalho que, naturalizada que está em todos nós, poderia ter deixado fora do espectro de nossa percepção tudo que está implicado em tudo que fazemos. Abraço forte meu amigo. E estamos aí.
Naif escreve-se naive ou naife?
é naifinho mesmo.
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