Tuesday, June 05, 2007
a morte do plano
"o plano é um conceito criado pelo homem com um objetivo prático: satisfazer sua necessidade de equilíbrio. o quadrado, criação abstrata, é um produto do plano. marcando arbitrariamente limites no espaço, o plano dá ao homem uma idéia inteiramente falsa e racional de sua própria realidade. daí os conceitos opostos como o alto e o baixo, o direito e o avesso, que contribuem para destruir no homem o sentimento de totalidade. é também essa a razão pela qual o homem projetou sua parte transcendente e lhe deu o nome de deus. assim ele colocou o problema de sua existência - inventando o espelho de sua própria espiritualidade.
o quadrado adquiria uma significação mágica quando o artista o considerava como portador de uma visão total do universo. mas o plano esta morto.a concepção filosófica que o homem projetava sobre ele não mais o satisfaz, assim como a idéia de um deus exterior ao homem.ao tomar consciência de que se tratava de uma poética de si mesmo projetada para o exterior, ele compreendeu ao mesmo tempo a necessidade de reintegrar essa poética como parte indivisível de sua própria pessoa.foi também essa introjeção que fez explodir o retângulo do quadro. esse retângulo em pedaços, nós o engolimos, nós o absorvemos. anteriormente, quando o artista se situava diante do retângulo, projetava-se sobre ele e nessa projeção carregava de transcendência a superfície. demolir o plano como suporte da expressão é tomar consciência da unidade como um todo vivo e orgânico. nós somos um todo e agora chegou o momento de reunir todos os fragmentos do caleidoscópio em que a idéia do homem foi quebrada, reduzida a pedaços. mergulhamos na totalidade do cosmos, vulneráveis por todos os lados: o alto e o baixo, o direito e o esquerdo, enfim o bem e o mal - todos os conceitos que se transformam.
o homem contemporâneo escapa às leis da gravitação espiritual. ele aprende a flutuar na realidade cósmica como em sua própria realidade interior. ele se sente tomado pela vertigem. as muletas que o amparavam caem longe de seus braços. ele se sente como uma criança que deve aprender a equilibrar-se para sobreviver. é a primeira experiência que começa."
lygia clark, 1983
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